Chegou em casa cansado de um dia de trabalho. Atirou a sacola velha e surrada do ombro para o sofá. Em seguida, os sapatos foram deixados no caminho para o quarto. No corredor a camisa, impregnada pelo cheiro da rua. Das pessoas estranhas. Dos lugares comuns e incomuns.
Jogou-se na cama. Suspirou. Olhou para o teto branco, com o canto levemente mofado. Fechou os olhos para esconder de si mesmo que as rotinas produtivas do lar estavam em atraso. Faxina a fazer, roupas a lavar, passar… geladeira praticamente vazia e a pia transbordava de louça com restos de ontem.
Estendeu o braço, pegou o controle remoto e ligou o CD player. Algum prazer, a vida ainda devia lhe permitir, pensou. Fechou os olhos e respirou fundo. Dor nos pés, nas costas, na cabeça… ainda ouvia as vozes das pessoas estranhas da rua. Reclamações, choros e protestos. O dia foi pesado.
Na transição entre o sono e o sonho, sentiu que algo tocara seu peito. Passou a mão como quem espanta algum inseto e nada encontrou. Sentiu uma respiração próxima ao seu ouvido, mas antes que pudesse abrir os olhos, ela já havia encoberto-os. A voz suave apenas pediu que permanecesse imóvel, sem reagir. Sem saber porque, ele aceitou.
– Seria um assalto? Um sequestro? Não tenho nada de valor…
Ela pediu silêncio. Ele obedeceu. Estava cansado demais para pensar em alguma estratégia, para desvendar os olhos e se livrar da intrusa.
Sentiu as mãos dela, desenharem seu rosto. Delicadamente, beijou-lhe a face e pediu, mais uma vez, para permanecer imóvel.
Sentiu quando os cabelos dela roçaram seu peito no prenúncio do encontro dos corpos. Estava nua e pediu que permanecesse imóvel. Provocou. Beijou-lhe a boca, o peito, acariciou o tórax e os braços do homem cansado. Provocou até que o impulso domou a razão, a regra quebrou-se e o imóvel tornou-se móvel. Dança de corpos, gostos e sensações.
Adormeceu nos braços dela. Sem sequer, ver seu rosto. Permanecera o tempo todo de olhos vendados, rendido às percepções sensoriais.
No dia seguinte, ao despertar do velho relógio, finalmente viu a luz do sol. Sábado. Dia de descanso.
A única lembrança que restara do dia anterior, foi uma marca de batom no seu rosto. E caída, debaixo da cama, uma tira de cetim negro perfumado, com um número de telefone bordado.
A venda da noite a espera de uma ligação nunca fora encontrada.